Americanas: futuro da empresa e de executivos históricos na berlinda após buraco de R$ 20 bi

“No Brasil, até o passado é incerto.” A frase do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan já virou ‘meme’ sobre o fato relevante divulgado pela Americanas (AMER3) no início da noite de ontem, dia 11. É o eterno hábito do brasileiro de fazer piada com tudo, inclusive com coisas sérias, sérissimas.

Sérgio Rial, ex-presidente do Santander Brasil, assumiu como presidente de uma das mais antigas redes de varejo, com quase 100 anos, no dia 2 de janeiro. Passados nove dias, a companhia anunciou que foram encontradas inconsistências contábeis estimadas em R$ 20 bilhões, na conta de fornecedores. Ou seja, foram subregistrados como dívida esses cifrões nos balanços dos últimos anos, inclusive em 2022.

Rial renunciou à posição imediatamente. André Covre, que assumiu como CFO, também. O número, para se ter ideia da gravidade, é maior que o patrimônio líquido da companhia registrado ao fim de setembro, pouco abaixo de R$ 15 bilhões. É como dizer que caiu uma bomba no mercado brasileiro e também na história dos empreendedores.

Se confirmado, o escândalo poderá ser o maior de uma companhia privada brasileira. Sim, é desse tamanho. E numa empresa fundada em 1.929. Rial, ao aceitar a proposta de Beto Sicupira, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann para comandar a Americanas, certamente, não esperava essa bagunça nos balanços da empresa.

A auditoria independente da própria companhia, a PwC, não havia apontado nenhum problema nos balanços, cuja análise não continha nem ressalva, nem ênfase, conforme a EXAME apontou ainda ontem. Quem conhece Rial sabe de seus cuidados e de sua percepção de que todos aqueles que são pagos pela empresa e que se reportam ao CEO ‘filtram’ as informações. “Todo mundo quer ver CEO feliz”, costuma dizer ele, daquele jeito de quem fala a verdade com irreverência. Seja como for, ele gosta de garantir seus caminhos para concluir tudo por si próprio.

O que o EXAME IN apurou é que decisão da saída imediata de Rial e Covre foi tomada de comum acordo com os acionistas de referência. O que se confirma com o fato de que Rial atuará como assessor dos acionistas para essa situação.

Há grande expectativa sobre a abertura do pregão de hoje e sobre como serão os próximos dias. É esperado um ataque especulativo relevante contra o negócio. O que isso significa? Que fornecedores só quererão vender à vista. Que bancos vão executar o que houver a ser executado — ou, ao menos, ameaçar. Que funcionários pedirão demissão de forma antecipada, para não cair no risco de virarem credores no futuro.

O trio controlador não é majoritário. Juntos, eles possuem pouco mais de 31% do capital total. Outros investidores relevantes, de mercado, são estrangeiros: o Capital Group, com quase 10%; o TIAA, que é o Teachers Insurance and Annuity Association of America-College Retirement Equities Fund, com 6%; e a BlackRock, a maior gestora de recursos independente do mundo, com 5%.

Os controladores minoritários, os fundadores da 3G Capital, são acionistas há cerca de 40 anos. A Americanas é símbolo de um dos primeiros investimentos do que era o extinto Garantia. A empresa ganhou rios de dinheiro no passado, espremendo fornecedor e operando inflação.

Mas, a Americanas de hoje, que movimenta entre R$ 55 bilhões e R$ 60 bilhões em vendas ao ano, terminou setembro com R$ 19,3 bilhões em dívidas financeiras, entre empréstimos, financiamentos e debêntures, para R$ 8,8 bilhões em caixa e mais R$ 5 bilhões em contas a receber.

Rial e Covre enfrentaram uma difícil decisão nos últimos dias. Eles não poderiam não informar o mercado sobre o que encontraram. Do contrário, se tornariam cúmplices — inclusive do ponto de vista legal. Tampouco poderiam permanecer em seus cargos, mesmo não sendo os responsáveis pelos problemas, uma vez que a realidade encontrada é muito diferente do que o esperado quando negociaram tomar as rédeas da empresa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top